Conversando com uma amiga algumas décadas mais nova, eu soltei uma frase como “momento
The Wall”, e recebi de volta um olhar do tipo “do que esse tio Sukita tá falando?”. Depois eu fiquei pensando como discos que são referência absoluta para uma geração podem passar completamente batidos por outra. Aí resolvi botar o disco aqui na Caverna.
A idéia de
The Wall (literalmente, “o muro”) surgiu durante a turnê do disco
Animals, por conta de um incidente com um fã que tentou pular uma rede de segurança e invadir o palco do Pink Floyd num show em Montreal, Canadá. Roger Waters, então cérebro e líder incontestável do grupo, ficou matutando o conceito do muro que as pessoas constroem para se isolar umas das outras, e acabou mergulhando numa viagem autobiográfica profunda e dolorosa.
Para contar sua história, criou o personagem Pink Floyd (a idéia de Pink Floyd ser uma pessoa já aparecera como piada na música “Have a Gigar”, do disco
Wish You Were Here), que perdeu o pai na Segunda Guerra, foi criado por uma mãe superprotetora, sofreu na mão de professores neuróticos na tradicional Inglaterra dos anos 50, tornou-se um astro do rock, foi fundo nas drogas, transou com
groupies, mas não conseguiu manter um relacionamento estável e sadio sequer com a própria esposa. Em resumo, todas as experiências pelas quais o próprio autor passou. Essas vivências, chamadas “tijolos no muro”, ocupam o primeiro disco do álbum duplo.
O segundo já fala da loucura de Pink propriamente dita, de seus delírios com a infância e a guerra e de uma visão pervertida do mundo do rock como uma reencenação dos espetáculos nazi-fascistas - vale lembrar que o fim dos anos 70 marcam o surgimento (ou recrudescimento) de movimentos racistas skinheads, na esteira do aluvião punk, usando o rock como veículo para sua pregação intolerante. Por fim, a mente de Pink entra em colapso e encena um julgamento, no qual todos os seus traumas voltam para condená-lo à mais terrível das penas: derrubar o muro.
O disco foi um sucesso absoluto. Chegou ao número 3 da parada inglesa e ao topo da parada americana, com “Another Brick In The Wall Part. 2” liderando também a parada de compactos. Vendeu trinta milhões de cópias e encheu a burra dos membros do grupo. Muito desse dinheiro foi torrado na turnê do disco. Os shows incluíam a construção de um muro gigante, bonecos infláveis, uma outra banda tocando ao vivo e até um avião mergulhando sobre a platéia. Os custos de produção foram muito maiores que a renda da bilheteria e dos patrocínios. Só quem não amargou um preju foi o tecladista Rick Wright, por motivos explicados adiante.
Esse foi também, na prática, o último disco do grupo.
The Final Cut o disco seguinte, era um projeto solo de Waters sobre o qual a gravadora impôs o nome Pink Floyd. Depois dele, a banda se separou, começando uma intensa batalha legal pelo nome, vencida pelo guitarrista David Gilmour (que nem era membro original) e pelo baterista Nick Mason.
Algumas curiosidades:
O disco é tão autoral que Waters compôs praticamente tudo sozinho. David Gilmour, guitarrista e durante muito tempo vocalista principal da banda, foi co-autor de apenas três músicas (“Young Lust”, “Confortably Numb” e “Run Like Hell”), enquanto o produtor Bob Ezrin, famoso pelos trabalhos com Alice Cooper e Kiss, assinou com Waters “The Trial”, a apoteose do disco.
O tecladista Rick Wright não apenas não compôs nada (também não contribuíra para
Animals), como ainda ganhou o bilhete azul durante as gravações. Waters alegou que a dependência de cocaína do tecladista atrapalhava o grupo. Embora Wright realmente estivesse viciado, o baterista Nick Mason, anos depois, contou outra história: a gravadora oferecera a Waters um bônus graúdo se o disco ficasse pronto ainda em 1979, de forma que ele cancelou as férias de verão da galera. Como Wright se recusasse a voltar antes do combinado, foi demitido da banda. Os fãs só souberam da demissão quando do lançamento do disco seguinte,
The Final Cut, pois Wright foi creditado como membro da banda em
The Wall e participou, como músico contratado, da turnê do disco. Aliás, foi o único que ganhou dinheiro com aqueles shows, pois recebeu salário. Como o custo de produção foi altíssimo, os integrantes oficiais levaram prejuízo.
O coral de meninos que canta “Another Brick In The Wall Part. 2” foi feito com alunos da Islington Green School. A gravação original foi sobreposta doze vezes para dar idéia de uma multidão cantando. Pela participação, a escola ganhou mil libras, mas os meninos, como dizia meu caro Cid Benjamim, ganharam só o que Luzia ganhou na horta. Em 1996, a lei inglesa de direitos autorais mudou, prevendo pagamento de royalties para esses casos. Os garotos, hoje adultos, estão processando a banda e a gravadora.
A protagonista da canção “Vera” é a cantora inglesa Vera Lynn, musa dos soldados britânicos durante a Segunda Guerra. Em 1942, ela gravou aquele que seria seu maior sucesso: “We’ll Meet Again”, cuja letra dizia “Nós vamos nos encontrar de novo, não sei onde, não sei quando, mas sei que vamos nos encontrar de novo em algum dia ensolarado”. É essa letra que Waters cita em sua música. Vera Lynn tem hoje 91 anos e vive ainda na Inglaterra.
Ah, como os arquivos estão em 160 kbps, deu pra socar num pacote só.
Disco 11. In the Flesh?
2. The Thin Ice
3. Another Brick in the Wall (Part 1)
4. The Happiest Days of Our Lives
5. Another Brick in the Wall (Part 2)
6. Mother
7. Goodbye Blue Sky
8. Empty Spaces
9. Young Lust
10. One of My Turns
11. Don't Leave Me Now
12. Another Brick in the Wall (Part 3)
13. Goodbye Cruel World
Disco 21. Hey You
2. Is There Anybody Out There?
3. Nobody Home
4. Vera
5. Bring the Boys Back Home
6. Comfortably Numb
7. The Show Must Go On
8. In the Flesh
9. Run Like Hell
10. Waiting for the Worms
11. Stop
12. The Trial
13. Outside the Wall
Download