Antes que alguém estranhe, não, a Caverna do Som não mudou de foco. Continua a ser um blog de rock, com ênfase em rock clássico, progressivo, metal e hard rock. Por que então esse disco está aqui? Essa pergunta tem três respostas.
Primeiramente, foi um pedido de uma visitante chamada Priscila. E este blog tem como política atender, na medida do possível os pedidos de visitantes, especialmente quando são representantes do sexo ideal - chamar mulher de "sexo oposto" sempre me pareceu coisa de quem não aprecia.
Segundamente porque o disco é bom à beça. Ponto.
Terceiramente porque ele permite levantar umas indagações interessantes sobre o que seria "rock brasileiro". Seria só rock cantado em português ou uma música que juntasse elementos do rock com sonoridades brasileiras? Para quem começou a ouvir música antes de 1980, falar em rock brasileiro trazia imediatamente à idéia o nome de Raul Seixas, roqueiro até a medula e que sempre cultivou nervosa distância dos tropicalistas. Isso não o impediu de fazer músicas sertanejas ("Medo da Chuva" e "Trem das Sete") e até emboladas ("Os Números"), não muito distante das propostas dos tropicalistas. Essa ponte, a meu ver, fora aberta por Gilberto Gil ao regravar com arranjo roqueiro em seus segundo disco o baião "Procissão", que constava de seu trabalho anterior.
Nos anos 70, embora houvesse grupos de rock que só replicavam fórmulas importadas, essa fusão explodiu em trabalhos tremendamente criativos. Sá, Rodrix e Guarabyra (qualquer dia eu boto aqui) era roqueiros e brasileiros, criando até a expressão rock rural para definir esse som híbrido. Os mineiros do Clube da Esquina iam muito além dos Beatles em sua influência e misturavam o rock com as raízes de sua música num resultado notável - "Um Girassol da Cor de seu Cabelo" cabe em qualquer disco de progressivo.
A meu ver, essa fusão chegou ao auge com os nordestinos, que não viam nenhum problema em juntar a viola com a guitarra. Daí um dos melhores hard rocks brasileiros da época ser "Galos, Noites e Quintais", do fanho Belchior. Ou a psicodélia pesada de "A Dança das Borboletas", parceria de Zé Ramalho e Alceu Valença, gravada por aquele com uma guitarra doida de Sérgio Dias gravada em vários canais diferentes. Daí não ser estranha a presença dos sintetizadores de Patrick Moraz, suíço que tocou com o Yes, no primeiro disco solo de Zé. Esse disco aqui talvez seja até menos roqueiro, mas só o arranjo de "Jardim das Acácias" vale o download.
Aí chegou a minha geração. Um bando de mauricinhos da Zona Sul carioca, dos Jardins Paulistas e, pior ainda, da elite brasiliense, que, sob influência da ideologia punk, via tudo que fosse brasileiro como coisa de velho ou de hippie. Faziam uma new wavezinha chocha e pretensiosa, simplesmente cantada em português. Mudasse o idioma, passaria por new wavezinha chocha e pretensiosa de qualquer outro lugar. Só descobriram que viviam num país musicalmente rico quando seus ídolos como David Byrne e Arno Lindsey, disseram isso. Até que veio um nordestino (de novo eles) e retomou, com um pouquinho mais de marketing, o que seus conterrâneos já faziam na década anterior. Era Chico Science, e aí a coisa voltou a ficar um pouquinho divertida.
1. A Peleja do Diabo Com o Dono do Céu
2. Admirável Gado Novo
3. Falas do Povo
4. Beira-Mar
5. Garoto de aluguel (Taxi Boy)
6. Pelo Vinho e pelo Pão
7. Mote das amplidões
8. Jardim das Acácias
9. Agônico
10. Frevo Mulher
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9 comentários:
Concordo plenamente, Dagda. Embora não tenha nada contra rock clássico em língua portuguesa, muitos bons álbuns foram feitos assim -O Peso, os d'A Bolha, Raul Seixas, Tutti-Frutti, Golpe de Estado, Plebe Rude, Legião, etc, não há dúvidas que nossos melhores representantes do rock vieram da fusão de nossos ritmos com a instrumentação e o vigor do rock. A minha formação musical é 60/70 e, sinceramente, os 80, afora honrosas excessões, com aquela newwavezinha e o rock(!?)farofa, ou AOR, ou rock de arena, ou hair metal, etc foi quase a morte do rock. Ao rock já se deram algumas extremas unções mas, confesso, que os anos 80 me preocuparam. Ali, o rock tava na UTI. Sei porque era músico profissional à época e quando dizia que era guitarrista de hard/blues, a resposta era uma terrível expressão de 'oquequeéisso?'. Apesar de tudo ao menos havia espaço pra tocar e a indústria musical batia recordes.
Chegaram os anos 90 e aconteceu a redenção do rock em todo o mundo. Surgiu o grunge(com excelentes e horrorosos momentos) e o metal, o hard e o blues retomaram seu espaço.
O curioso é que nestes anos 00 o cenário está muito parecido com os 80, inclusive com bandas claramente influenciadas pela (que nojo...) new wave e o (que merda...)emo dominando.
Por isso, vamos usar a rede pra não deixar o rock retornar pra UTI.
Abrações,
Edson d'Aquino
Merci beaucoup.
Grande, velho! Sempre que tiver uns ''elos perdidos'' dessa iguala, manda que não tem erro! Quem não conhece, precisa conhecer!!!
Aê Dagda, sou nordestino e roqueiro de nascimento e por convicção e não deixaria de te parabenizar por nada neste mundo. Dizer que foi o nordeste que fez a história do roquenrol no Brazil é um fato e fazia tempo que eu esperava esse reconhecimento.
Mais uma vez parabéns, pelo blog, pela coragem de falar sobre isso e sobre tudo por nos presentear com tantos clássicos!!!!!!
Thanks! Love Ze Ramalho--haven't heard this one.
Faço minhas as suas palavras. Também sou nordestino e músico mas moro em SP. Tenho todos do Zé Ramalho, inclusive o primeirão que ele gravou com o Lula Côrtes, na primeira metade dos anos 70. Mas faço uma ressalva, nesse novo século o rock, pra quem gosta de anos 70 e de boa música, anda se renovando, pesquiso bastante e tenho encontrado verdadeiras obras primas, claro que não falo dessas bandinhas que tocam em rádios e mtvs da vida. Posso citar, por exemplo, o The Mars Volta, mas existem muitas, e concordo plenamente, os anos 80 foram os piores pra música em geral, não apenas no rock. Mas muita gente boa sobreviveu a isso e inclusive conseguiu lançar alguns bons discos na época. Gostaria de parabeniza-lo pelo blog e pelo belo e corajoso comentário sobre Zé Ramalho e sobre os músicos Nordestinos. Obrigado.
Muito legal seu blog.
Gosto de quase tudo que voce põe aquí.
Quando se leva em conta que eu fui punk toda a década de 80, esse meu elogio pode parecer surpreendente.
Acontece que antes do punk, durante dois anos, ouví muito rock, que era basicamente o que você tem aquí. Na época, pelo menos na minha cidade, não falávamos hard rock, e sim rock pauleira.
Se voltar um pouco mais, em meados da década de 70, morava em Mato Grosso, e com um dos meus primeiros ordenados comprei uma eletrola Phillips, era aquela que parecia um maletinha de plástico, voce abria e aparecia o toca-discos.
Os primeiros discos que comprei foram dois compactos simples, um do Raul Seixas e outro do Zé Rodrix. O do Raul tinha de um lado uma música que considero abaixo da média para ele: "O dia em que a terra parou", do outro uma música horrorosa chamada "Eu quero mesmo".
Nada a ver essa lembrança, mas eu nem sabia o que era rock, podia ter comprado o compacto do Benito de Paula, acho que era roqueiro e não sabia.
Zé Ramalho eu sempre gostei, aliás acho que "Admirável gado novo", juntamente com outras obras e fatos, ajudaram a definir minha maneira de encarar a vida.
Abraços.
Roberto.
bacana bacana.mas se for por algo do sa rodrix e ou guarabira,ponha o 'pirao de peixe com pimenta' qué é coisa fina ,até
post perfeito, sou nordestino e compartilho plenamente da opinião do dagda, e seria sensacional ver a postagen dessa raridade do disco do zé ramalho e lula cortês, po se vc's pudessem postar agradeceria bastante!!!!
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